CURRÍCULO EM PROCESSO, CONCEPÇÕES PRÁTICAS E CONTRIBUTOS
CURRÍCULO EM PROCESSO, CONCEPÇÕES PRÁTICAS E CONTRIBUTOS
Manuel José Brito Soares
Sumário
Uma mudança profunda no paradigma tradicional da educação tem levado à introdução de novos conceitos neste domínio. Currículo, currículo em processo, desenvolvimento curricular e aprendizagens por competências, estão cada vez mais presentes nos discursos educativos dos nossos dias, todavia a sua compreensão nem sempre se processa de forma esclarecedora. O presente artigo pretende elucidar-nos sobre as diferentes conceções de currículo e como estas configuram as práticas de planeamento curricular na escola, o que se entende por currículo em processo, desenvolvimento curricular e as fases que o sustentam, abordando ainda competências e aprendizagem por competências.
Palavras-chave: Currículo, desenvolvimento curricular, Competência, aprendizagem por competências.
Introdução
As discussões sobre currículo constituem, pode‐se afirmar, uma das problemáticas mais complexas na área da educação. Discutir currículo significa discutir a própria educação, pois diante de qualquer aspeto que se queira abordar na área, seja a política curricular, a prática pedagógica, as representações sobre diversos elementos, as questões das diversidades, a organização escolar, o ato de ensinar a pedagogia de competências, dentre outros, não há como negar a eminência de um campo de estudos que se dedica a compreender os movimentos de construção da escolarização e seus significados. Neste artigo iniciar-se-á uma abordagem à origem, evolução e conceito de currículo, da problemática da prática de planeamento curricular como um dos elementos da educação, bem como as suas fases, abordar-se-á ainda as implicações de se produzir uma postura orientada pela concepção processual de currículo, bem como a pedagogia por competências em educação, desmantelando algumas incongruências entre termos semelhantes como são conhecimento e competências.
Currículo em processo conceções e práticas
O termo Currículo, proveniente do latim currere, que significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir encerra, segundo Pacheco (2001:15), duas ideias principais, que são a “Sequência ordenada” e “a totalidade de estudos”, com base nas quais se manifesta (…)”. Assim, e na minha perspectiva isto significa que mesmo a partir da expressão do seu significado etimológico, podemos fazer uma primeira aproximação ao conceito de currículo, em cuja definição estão ou devem estar, necessariamente presentes a perspetiva de planificação sistémica e ordenada dos objetivos, conteúdos ou competências de aprendizagem, ou seja, a intencionalidade educativa (o currículo prescrito), como a de implementação dos planos de aprendizagem, com a respetiva aferição dos resultados (o currículo implementado, experienciado e avaliado). No entanto a definição de currículo nem sempre foi pacífica e “não existe à sua volta consenso”, salvo em relação “ao objeto de estudo, que é de natureza prática e ligado à educação, e à metodologia que é de natureza interdisciplinar, no quadro das Ciências Sociais e Humanas” Pacheco (2005: 36). Mas, tal como assinala o autor, é esse consenso, ainda que limitado, que permite falar-se de um campo disciplinar específico, o campo do currículo, onde existem diversas teorias curriculares, correspondentes a diferentes conceções de currículo. No entanto, no nosso dia-a-dia quando pensamos em currículo, pensamos apenas em conhecimento esquecendo-nos que o conhecimento que constitui o currículo está altamente intrincado, e envolvido naquilo que somos, na nossa identidade, e como tal na nossa subjetividade. O currículo e as várias aceções que comporta abrem portanto um novo espaço de debate, proporcionando aos professores e investigadores de educação uma nova tomada de consciência, de complexidade e de multiplicidade das situações. E, é esta multiplicidade que leva a que definições sobre currículo sejam numerosas e refletindo diversas conceções, mas na verdade o currículo não pode entender-se como algo predeterminado isto é, como um “produto” a ser disponibilizado segundo regras e normas específicas, uma vez tratar-se de um processo que resulta das múltiplas relações que se estabelecem entre diferentes atores, em contextos diversos. Daí a importância que o conceito de currículo como projeto tem vindo a assumir nos tempos mais recentes. E é esta dinâmica em que o currículo está imbuído que é defendido por Pacheco (2001). “ (…) um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta na interação e confluência de várias estruturas políticas, administrativas, económicas, sociais escolares (…)”.Como tal na educação, o currículo não se esgota em si mesmo, deixando antever um fenómeno inacabado e sempre dinâmico, e é este dinamismo e esta constante atualização que nos leva a falar de “currículo em processo”, em movimento, pois quando algo está num processo está num continuum actualizando-se, conforme as necessidades com que nos deparamos. Ora este processo por si só já é condição para nos levar a falar em desenvolvimento curricular. O desenvolvimento curricular está portanto associado à ideia de processo dinâmico e contínuo desenvolvendo-se em diferentes fases sucessivas e a diversos níveis do sistema escolar. Para Gaspar e Roldão (2007) o “currículo em ação faz emergir o desenvolvimento curricular, de onde ressaltam três características consensuais, processo, sequência e continuidade”. O termo desenvolvimento curricular é pois utilizado para expressar uma prática, dinâmica e complexa, processada em diversos momentos de modo a formar um conjunto estruturado com três componentes fundamentais, justificação teórica, que traduz a analise da situação a que se destina o currículo, elaboração/planificação/operacionalização, em que são definidas as estratégias para a acção docente, e avaliação, que se visa um processo de reapreciação de todo o caminho percorrido. Assim, também o conceito de desenvolvimento curricular encerra em si múltiplos significados, podendo ser formulado com diferentes níveis de abrangência, sendo três as ideias que em geral, estão associadas ao conceito de desenvolvimento curricular. A primeira é a de desenvolvimento em grande escala, ou seja as políticas governamentais, a segunda é a de desenvolvimento local, que diz respeito a projetos curriculares que envolvem um certo número de escolas ou de turmas dentro de uma mesma escola, e a terceira é o desenvolvimento individual, correspondente às práticas curriculares de um determinado professor. Por outro lado, há ainda outro fator e que poderá também ele levar a diferentes interpretações para o conceito de desenvolvimento curricular e que são as teorias curriculares reconhecendo importâncias distintas para os que nele intervêm. Assim, a teoria técnica pressupõe um processo de desenvolvimento curricular estruturado em três fases como anteriormente mencionado, a da elaboração, da implementação e da avaliação, sendo um processo que valoriza a fase de elaboração, a obtenção do produto escrito. A teoria prática não perspetiva o processo de desenvolvimento curricular da mesma forma compartimentada, mas sim como um empreendimento para o qual contribuem diversos intervenientes, em diversas fases complementares e convergentes. Por ultimo, a teoria crítica reforça a interdependência do processo de desenvolvimento curricular, equaciona de igual modo o papel dos professores e dos alunos, defendendo que os últimos devem também ter algo a dizer, mesmo no plano da definição curricular. A criação de comunidades críticas nas escolas, onde o currículo possa ser exercido como práxis, é também condição imprescindível para o desenvolvimento curricular. Embora o modelo configurado pela teoria técnica tenha grandes tradições e esteja ainda muito enraizado em sociedades como a portuguesa, outros modelos de desenvolvimento curricular, mais consentâneos com as propostas das teorias prática e crítica, têm vindo a ser sistematizados. No seguimento das abordagens pedagógicas centradas nos conteúdos, nos objetivos e nos projetos, emerge nos discursos educacionais a abordagem curricular por competências, encaradas como uma das vias para a elevação da qualidade de desempenho das escolas e, por consequência, do perfil dos alunos, em termos de sua preparação para a vida ativa, superando modelos predominantemente, ou exclusivamente, transmissivos de conhecimentos. No entanto termo competências é, frequentemente, confundido com outros termos afins, como desempenho, capacidade, aptidões e habilidades, resultados de aprendizagem e conhecimentos. Mas, apesar da afinidade entre desempenho e competências, Perrenoud (2004:56) distingue-os, salientando, que “o desempenho é uma ação situada, datada e observável” e “a competência é o que subjaz ao desempenho”, o que quer dizer, por exemplo, que só desempenha bem quem possui competência. Por sua vez os documentos enformadores do denominado Quadro Europeu de Qualificação param a Aprendizagem ao Longo da Vida, Pacheco (2001: 83) apresenta as definições conhecimentos, e competências sendo que “Conhecimentos”, é o resultado da assimilação de informação através da aprendizagem. Os conhecimentos constituem o acervo de factos, princípios, teorias e praticas relacionado com uma área de trabalho ou de estudo. No âmbito do Quadro Europeu de Qualificações, descrevem-se portanto os conhecimentos como teóricos e/ou factuais. “Competência”, a capacidade comprovada de utilizar o conhecimento, as aptidões e as capacidades pessoais, sociais e/ou metodológicas, em situações profissionais ou em contextos de estudo e para efeitos de desenvolvimento profissional e/ ou pessoal. No âmbito do Quadro Europeu de Qualificações, descreve pois a competência em termos de responsabilidade e autonomia. À luz destes conceitos, podemos então constatar que os mesmos estão em íntima correlação, não se colocando a questão de um deles substituir o outro. Assim, os resultados de aprendizagem implicam o domínio de conhecimentos, pressupõem aptidões e traduzem-se no desenvolvimento de competências. No entanto, e apesar destes desideratos, o que se tem verificado é que no campo da educação e do currículo, a abordagem das competências não é pacífica, mas marcada por divergências e até equívocos, e para mim uns dos maiores equívocos da abordagem curricular por competências prende-se com a pretensão de que as competências substituem os objetivos e conteúdos, o que é também contestado por Roldão (2008:22), “(…) a competência é, no fundo, o objetivo último dos vários objetivos que para ela contribuem.” Assim, julgo estarmos em condições de dizer que o objetivo antecede e acompanha a competência no processo de conceção e realização do currículo, permitindo que este seja concebido de forma a promover atividades de mobilização do conhecimento, com base num objetivo previamente identificado, para a procura de resolução de problemas num dado contexto ou situação, seja no interior do espaço escolar, seja fora dele.
Conclusão
No campo da educação muito tem mudado no papel do professor, em função da evolução do currículo. Emergiram novos objetivos, especialmente no que respeita a capacidades, para a resolução de problemas, e onde as perspetivas curriculares visam cada vez mais a valorização de tarefas de natureza mais aberta, para novas formas de trabalho na sala de aula e onde duas alterações merecem especial relevo. Uma, é a mudança nas dinâmicas que ocorrem dentro da sala de aula, tendo por base tarefas que colocam a atividade do aluno como base fundamental do processo de ensino-aprendizagem, e a outra, é o papel do professor em face do currículo. O professor deverá deixar de ser visto como um simples transmissor de um programa estabelecido a nível nacional, para passar a ser cada vez mais um protagonista e responsável na criação de um currículo em ação adaptado às necessidades dos seus alunos. Por outro, lado novos conceitos tem sido propostos como é o conceito de competência. E ser competente, não é realizar uma mera assimilação de conhecimentos suplementares, gerais ou locais, mas sim, compreender a construção de esquemas que permitem mobilizar conhecimentos na situação certa e com discernimento. Ao construir competências considera-se o contexto de aprendizagem, a implicação do sujeito na tomada de decisão, a resolução de situações problemáticas e o próprio processo de construção de conhecimento. Uma abordagem por competências defende que o sujeito constrói os seus próprios saberes, numa interação afetiva que possibilita o aprender a aprender. No contexto educativo, com os outros, o sujeito (re) descobre, (re) inventa novas possibilidades de acção que lhe permitem situar-se critica e autonomamente na sociedade actual.
Bibliografia:
Delors, Jaques et al (1996). Educação – Um tesouro a descobrir, Edições ASA, Porto
Pacheco, J. (2001). Currículo: Teorias e Praxis. Porto: Porto Editora
Pacheco, J. A. (2005). Estudos Curriculares: Para a compreensão crítica da educação Porto: Porto Editora
Perrenoud, P. (2004), De uma metáfora a outra transferir ou mobilizar conhecimentos. Porto Alegre: Artmed editora
Roldão, Maria do Céu. (2007). A formação de Professores como objecto de pesquisa - contributos para a construção do campo de pesquisas portuguesas. Revista Electrónica de Educação
Roldão, Maria do Céu (2008). Gestão do currículo e avaliação de competências – as questões dos professores, Lisboa: editorial Presença, 5ª edição